Corontena

Primeiro dia deste post: 24 de março de 2020.
Última atualização: 20 de maio de 2020.

É tempo de corona vírus e quero escrever de uma a seis frases por dia sobre esse inimigo invisível no estilo sci-fi movie. Uma timeline pessoal para não esquecer algumas notícias e impressões pessoais.

Breve histórico

Em resumo, tudo começou na China em dezembro de 2019. Lá, até o primeiro dia deste post (24 de março), 3.277 pessoas que importam pra alguém morreram. O segundo pior país é a Itália. Entre 24 de fevereiro e hoje, 24 de março, o número de falecimentos foi de 7 para 6.077. Eles demoraram a fazer o lock down (paralisação total de tudo que não é essencial) e os hospitais bugaram.

Estou no dia 10 de auto-isolamento, na Inglaterra. A situação aqui no Reino Unido está “atrasada” em relação a outros países europeus, mas segue o crescimento exponencial. Há 10 dias (14 de março) 11 pessoas faleceram por causa do corona. Hoje (24 de março) chegamos em 335 pessoas que não resistiram às dificuldades respiratórias e complicações cardiovasculares. Não estou no grupo de risco (34 anos com muita saúde), mas estou em quarentena pelos que estão.

No Brasil a situação está no comecinho da curva exponencial. Dia 17 de março houve a primeira morte. Seis dias depois, mais 33 pessoas faleceram. Alguns estados estão tomando medidas rápidas, como o RN, mas o governo tem dado vexame: insistem que “é só uma gripe”. O prolema não é a taxa de mortalidade em si, é a taxa de contaminação muito alta, o que termina por saturar os hospitais, aumentando o risco de morte.

Minha maior preocupação é, além do grupo de risco, as micro e pequenas empresas, os autônomosinformais  e desempregados em lock down. Se os governos não adotarem medidas que lhes garanta benefícios, o que será da vida de dezenas de milhões de pessoas sem renda? Não sei como um governo poderá garantir um estado de bem-estar social agora se antes já não garantia. No Brasil está sendo discutida a MP 927, que parece ser falha e insuficiente.

Melhor site para ver as curvas: https://www.worldometers.info/coronavirus/

Dia a dia

24 de março de 2020. Dia 10 de isolamento, Inglaterra.

Ontem finalmente o primeiro ministro do Reino Unido deixou de lado a estratégia de “imunização da massa (nós)” e declarou lock down total. Alguns serviços continuam funcionando como supermercados, farmácias, obras (inclusive estão ajeitando algumas infiltrações aqui em casa, por fora), postos de gasolina, oficinas de carros e de bikes. É permitido fazer uma atividade física na rua (nunca vi tanta gente correndo na rua).

Imunização de massa (ou rebanho, do “herb immunization”) é a ideia de que o coronavírus vai parar de se espalhar quando suficientemente pessoas se tornarem resistentes depois de serem infectadas.

– tradução livre de uma das fontes citadas aqui-

25 de março. Dia 11 de isolamento, Inglaterra.

Metade da população do Reino Unido já foi infectada pelo corona? Esse é um modelo da Universidade de Oxford (Profa. Sunetra Gupta). O vírus teria chegado no Reino Unido em janeiro, bem antes do primeiro caso oficial. Agora é preciso testar esse modelo: o governo comprou 3,5 milhões de testes sorológicos (testa a presença de anticorpos). Se confirmado, o lock down pode terminar antes, mas ainda será necessário. No Brasil, Bolsonaro diz para as pessoas seguirem suas vidas normalmente: “é só uma gripe”.

Notícia sobre esse estudo: https://metro.co.uk/2020/03/24/coronavirus-may-already-infected-half-uk-population-12451012/

26 de março. Dia 12 de isolamento, Inglaterra.

Está crescendo a desconfiança sobre a importância do lock down no Brasil. Roberto Justus, sócio de conglomerados publicitários e uma das pessoas mais ricas do país, diz que a medida é exagerada e que os pobres vão morrer de fome porque vão parar de trabalhar. O problema, na verdade, não é o lock down. Ele é necessário para que pessoas não morram por falta de respiradores. O problema é a irresponsabilidade do governo em garantir míseros R$ 200,00 para o trabalhador ficar em casa. Isso é ridículo e desumano.

29 de março. Dia 15 de isolamento, Inglaterra.

No Brasil, Bolsonaro proíbe estados de manterem a quarentena, além de incentivar através de suas contas pessoais as pessoas a continuarem normalmente suas vidas e seus empregos. Justiça proíbe a proibição dele e Estados seguem firme. A Magazine Luiza além de não demitir seus funcionários, doou 10 milhões para ONGs e hospitais no combate ao corona. Isto é, quem tem MUITO dinheiro pode ajudar sim a economia e a quarentena (viu, Justus?).

30 de março. Dia 16 de isolamento, Inglaterra.

No Brasil, dizendo não os R$ 200,00 propostos pelo governo, Câmara e Senado aprovam renda de até R$ 1.200,00 por família para autônomos, desempregados e microempreendedores individuais. Falta passar pelas mãos irresponsáveis (ou ignorantes?) de Bolsonaro. Ainda não sabemos como será o cadastro. Ainda, aguardamos as medidas econômicas para micro, pequenas e médias empresas. O Twitter e o Instagram deletaram as mensagens de Bolsonaro estimulando as pessoas a saírem da quarentena.

31 de março. Dia 17 de isolamento, Inglaterra.

Mais de 39 mil pessoas morreram no mundo com o corona, em três meses. Na Itália os hospitais não suportam mais pessoas e muitas estão morrendo dentro de casa, sem sequer a chance de chegar ao hospital. O Brasil não pode seguir a curva da Itália. Nesse sentido, o biólogo Átila Iamarino, que vem fazendo há bastante tempo um importante papel de divulgação científica, foi ao Roda Viva: precisamos da quarentena, o Brasil precisa voltar a investir em ciência e podemos enfrentar pandemias piores num futuro próximo!

Esta é a entrevista.

01 de abril. Dia 18 de isolamento, Inglaterra.

Que sociedade teremos depois do isolamento? Geralmente a evolução cultural, segundo os modelos científicos, acontece aos poucos. O corona vai mudar a direção da nossa evolução cultural de forma drástica? O que nós, geração que está vivendo o corona, vamos deixar de legado em termos de sociabilidade, de práticas cotidianas, de ecossistema econômico e de vivência com a mãe natureza?

02 de abril. Dia 19 de isolamento, Inglaterra.

TALVEZ pessoas vacinadas contra a tuberculose, a famosa BCG aplicada em todos os brasileiros ainda crianças, apresentem sintomas mais amenos do corona. Isso seria um sopro de alívio para países como o nosso, onde se espera um número altíssimo de mortes neste período de corona. Que a ciência se mostre à sociedade como importante que é quando feita com responsabilidade.

Notícia sobre essa pontinha de esperança: The economic Times.

05 de abril. Dia 22 de isolamento, Inglaterra.

Há 3 dias o Equador chamou atenção de todo o mundo: o sistema hospitalar e funerário entrou em colapso, dizem. Eis uma nota do site oficial do Reino Unido (travel advice) para quem planeja viajar ao Equador.

If you live in the UK and are currently travelling abroad, you are strongly advised to return now, where and while there are still commercial routes available. Many airlines are suspending flights and many airports are closing, preventing flights from leaving.

Situação do Equador por catraca livre e na fala do prof. Daniel Valença no podcast Em tempos de guerra a esperança é Vermelha

06 de abril. Dia 23 de isolamento, Inglaterra.

No Brasil algumas medidas econômicas foram adotadas (PEC do orçamento de guerra, MP 927 e 928, “coronavoucher”). Algumas estão sendo vistas com muitas ressalvas por economistas como Eduardo Moreira: algumas pessoas tiveram informações privilegiadas e a maior autonomia do Banco Central é de alto risco para o ecossistema brasileiro. No Reino Unido, Boris, o primeiro-ministro, foi hospitalizado.

Eduardo Moreira critica medidas econômicas. 

Hospitalização de Boris, pelo The Guardian.

07 de abril. Dia 24 de isolamento, Inglaterra.

Exercício e comer bem, duas coisas que têm ajudado muito nestes tempos de quarentena. O Madfit é a nossa queridíssima, muito talentosa mostrando exercícios de todos os tipos. Comer bem significa comer comida gostosa e saudável, sem peso na consciência. No ramo dos doces, testamos várias receitas do Chocolate Covered Katie, como o brownie de feijão, o sorvete de banana, os cookies de chocolate e os de manteiga de amendoim. Enquanto isso, no Brasil, o app da Caixa Econômica para viabilizar o auxílio foi lançado hoje, finalmente, mas nenhuma medida foi proposta para as microempresas. E o maior bafafá é que Bolsonaro teve a intenção de demitir o atual Ministro da Saúde, Mandetta.

15 de abril. Dia 32 de isolamento, Inglaterra.

Vários dias sem escrever, mas nada mudou muito, o que infelizmente inclui a progressão no número de vítimas do corona no mundo todo. No Brasil, Bolsonaro concorda com a importância do vírus, mas agora insiste em um tratamento que não tem segurança científica para ser adotado: a cloroquina. Pessoalmente, a vida têm se ajustado bem. Antes de vir pra Inglaterra passei vários meses pensando em como minha vida mudaria por alguns meses: o meu dia a dia seria de quase-quarentena pelas minhas obrigações profissionais. Então não mudou muito com o corona, embora o novo normal tenha tomado mais forma. Home office, clubes do livro virtuais, reuniões de trabalho virtuais, socializações virtuais, jogo multiplayer online, mais música, delivery, blog com as receitas queridinhas etc. Minha recomendação de mídia hoje é Por que você deveria ignorar toda a pressão para ser produtivo agora?

*sim, mudei o padrão das cores.

16 de abril. Dia 33 de isolamento, Inglaterra.

Qual será o novo normal? Quem seremos após essa crise? O que aprenderemos com ela, enquanto indivíduos? Que hábitos diários teremos? E enquanto sociedade, teremos TEMPO para sermos melhores?  Seremos menos egocêntricos, mais cooperativos e compassivos. Cuidaremos mais da nossa saúde física e mental, do nosso sono e nos alimentaremos melhor. Trabalharemos para viver, e não o contrário. Não haverá exploração dos outros. Haverá igualdade nas oportunidades entre gêneros, cores, etnias e religiões. A própria individualidade será tão importante quanto o respeito à individualidade do outro. A violência e a tortura NUNCA se justificarão. Exerceremos mais frequentemente o pensamento crítico. Faremos mais divulgação científica e apoiaremos mais a ciência de qualidade. Cuidaremos mais dos vulneráveis, das minorias e da nossa mãe natureza. Perceberemos que apoiar o estado de bem-estar social é bom para todos, e que para chegar lá não é preciso passar pelo autoritarismo ou fascismo. (continua)

17 de abril. Dia 34 de isolamento, Inglaterra.

Ou as desigualdades se acentuarão por puro capricho da ganância e da sede pelo manutenção do poder? Seremos mais uma vez engolidos por um dos princípios mais primitivos do ser humano: nós verus eles. O ecossistema financeiro estará tão viciado por si só, que funcionará praticamente sozinho e passando por cima de quem quer que se oponha ao seu crescimento devastador de vidas, sonhos e oportunidades equitativas. Que mundo estão construindo para nós, os que insistem em ter a chave dele?

18 de abril. Dia 35 de isolamento, Inglaterra.

O Brasil tem um novo ministro da saúde. E alguns acreditam que a quarentena é uma grande conspiração manipulada pelo Reino Unido, China, Estados Unidos e norte europeu. São muitas notícias falsas espalhadas por correntes de levianos, sedentos por pós-verdades. Há quem diga que o Reino Unido não está em quarentena. Nesse sentido, posso falar do que vejo com meus próprios olhos e pode ser confirmado por qualquer pessoa: a Universidade de Oxford parou. Uma das melhores do mundo só permite a entrada de quem está realizando pesquisa sobre o Covid-19. Os processos de visto no Reino Unido foram adiados por causa da quarentena. Os ônibus estão vazios. A escola em frente à minha casa e a parada de ônibus não têm mais crianças. Ruas silenciosas. Delivery do supermercado com três semanas de espera. Tenho amigues na Holanda, Alemanha, Canadá e Califórnia e todos estão em quarentena, seguindo as recomendações locais.

22 de abril. Dia 39 de isolamento, Inglaterra.

Quarentena firme. Com o luxo de ter vinho pra relaxar. Sim, relaxar é preciso. Resiliência é a palavra da vez. Focar. Ver o copo todo, mas se prender à parte cheia. Sim, porque os números estão assustadores, porque a crise econômica principalmente em países como o Brasil está se aprofundando e porque a expectativa de ter uma vida do lado de fora de forma responsável (não no meio da crise na saúde, como propõe o despresidente brasileiro) ganha outras proporções está bem distante. Uma crise mundial na saúde (capacidade insuficiente dos hospitais para lidar com a demanda), no social (quarentena, episódios de ansiedade, violência doméstica aumentada, sem direito ao luto) e na economia (milhões de empresas quebrando, pessoas sendo demitidas, estados se endividando, sistema financeiro lucrando) sem precedentes. Estamos vivenciando uma transição de era.

23 de abril. Dia 40 de isolamento, Inglaterra.

Quarenta dias. Uma quarentena, de fato. No  mundo são mais de 186 mil mortes, contando por baixo. Isso porque países como o Brasil e a Índia estão sub-notificando. Inglaterra com mais de 18 mil mortes. Brasil com quase 3 mil. São vidas e histórias, muito mais do que meros números. Não sabíamos o quão vulneráveis éramos. Agora saberemos oferecer estado de bem estar-social para todos? Saberemos valorizar os principais pilares de um sociedade como saúde, educação e ciência? Saberemos cuidar de nossa casa, a imponente deusa-natureza? Como ajudar a construir esse caminho?

28 de abril. Dia 45 de isolamento, Inglaterra.

Está em discussão no mundo todo, inclusive no Brasil, a importância de se manter uma renda mínima universal. Em terras verdes e amarelas o super-ministro Moro pediu demissão e deu uma coletiva acusando Bolsonaro de interferir em investigações da Polícia Federal. Este retrucou, adotando uma fala pra lá de confusa, com ênfase na estratégia “fã que foi traído pelo ídolo pessoal”. Impeachment? (Breno Altman fala sobre isso, veja a partir de 1:18:00). Rumores dizem que Paulo Guedes vai sair. Enquanto temos esse balaio de gato institucional, o corona avança.

Recomendações. Para saber a que pé econômico estamos em relação ao corona, sugiro assistir O papel do Estado na economia, incluindo perspectivas futuras, com as economistas Laura Carvalho e Ana Paula Vescovi e a jurista Flávia Piovesan, publicado pelo Estadão. Sobre o pé científico, o neurocientista Miguel Nicolelis fala sobre como o Consórcio Nordeste está lidando com a crise, no programa de Fernando Haddad.

10 de maio. Dia 57 de isolamento, Inglaterra.

Somamos no mínimo 283 mil mortes por causa do corona. Agora sabemos com certeza que existem sub-notificações graças a uma excelente sacada: comparar a taxa de mortalidade por mês neste ano e nos anos anteriores. EUA com mais de 80 mil mortes, Reino Unido com mais de 30 mil e Brasil com mais de 11 mil. No Brasil a situação sanitária se mistura com a política, com os representantes federais seguindo com a estratégia de delírio irresponsável. É hora de agir para evitar o pior. Mas como? E, pra dar esperança…

O Brasil é aquilo que os nossos bisavós começaram a fazer, transmitiram pros nossos avós, transmitiram para os nossos pais e tentamos transmitir para as nossas filhas. É isso que constitui uma nação. É esse conjunto de valores, de lembranças, de princípios que constitui um país. E a família brasileira não é a família Bolsonaro. Esse desrespeito à morte, à falta de solidariedade.. isso pega uma parte da elite brasileira, nem toda a elite, e pega um submundo que estava domesticado pelos avanços do país. Então essa selvageria Bolsonariana (…) não é a família brasileira. Nós vamos deixar o país cair nas mãos dessa malta selvagem sem princípios, sem respeito à vida? Não vamos (Luis Nassif).

Recomendo conversa com o Coronel Ibis Pereira sobre a posição dos militares num possível ‘auto golpe’, do Estúdio Fluxo. Greg News falando sobre a problemática do ENEM e dos deliverys no meio desta pandemia. Liana Cirne, Fátima Lima e Mauro Lopes com duras críticas, pelo canal 247.

20 de maio. Dia 67 de isolamento, Inglaterra.

Reino Unido com 55 mil histórias a menos durante este período de COVID-19. 35 mil nos dados oficiais, com testes bonitinhos, e 55 mil é o número de mortes a mais do que no mesmo período dos anos anteriores corrigido pelo crescimento populacional. E olhe que não estão acontecendo acidentes de trânsito como nos anos anteriores (quarentena), o que indica ser um número maior ainda. No Brasil, em 10 dias, aconteceu: novo ministro da saúde, Teich, virou ex porque não aceitou gasto público com cloroquina. Agora assumiu um ‘suplente’ general que ‘acredita na cloroquina’. Por Deus… não pode ser uma questão de crença, mas sim de evidências. A luta da ciência segue diante deste mundo de pós-verdades.

Sem sugestões de matérias hoje. Informação demais nos últimos dias. Saturei até pra compartilhar aqui.

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