O nióbio vai mesmo render isso tudo?

Você vê um post falando sobre a capacidade do nióbio em render trilhões de reais ao Brasil. Vai no Google. A primeira matéria que lê é do G1, de 2012. Muito boa, por sinal. Depois uma matéria mais recente, extremamente superficial, da Exame. E depois se depara com uma matéria da Record dizendo que o nióbio poderá ser usado no tratamento do câncer!

Respiremos. Vamos por partes.

O nióbio vai gerar trilhões de reais ao Brasil?

  • O nióbio é um metal “raro”: temos, no Brasil, quase 100% das reservas mundiais, a maioria em Minas Gerais e uns 30% na Amazônia (precisa mesmo cutucar para explorar a nossa querida Amazônia?).
  • Em 2012 cerca de 90% do nióbio usado no mundo saiu daqui, hoje são 80%.
  • Ele é importante para a indústria literalmente pesada: automobilística, siderúrgica etc.
  • Existem outros minerais que podem substituir ele: titânio, por exemplo.
  • Embora possa ser substituído, ele é usado por uma indústria extremamente  especializada. Para mudar uma das matérias prima, imagino que seja necessário uma mudança custosa e indesejável na maquinaria.
  • Basicamente duas empresas PRIVADAS exploram, “tratam” e exportam o minério: CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração) e Mineração Catalão de Goiás.
  • O lucro da maior empresa, a CBMM foi de mais  800 milhões de reais em 2012. Seis anos depois, em 2018 esse valor triplicou, chegando a quase 3 bilhões de reais.
  • Qual foi o ganho do Brasil? Em 2012 a empresa pagou 5 milhões (2% do seu lucro) em royalties. Em 2017 passamos a cobrar 3% de royalties sobre o custo da produção (e não sobre o preço de venda..), isto é ganhamos 10 milhões em royalties, além de 2 mil funcionários com uma provável vida digna.
  • Atualmente o preço do nióbio é de 40 dólares o kg de nióbio-ferro (o do ouro é $206,00 por grama e do petróleo é $60 por barril). Esse preço não depende do governo brasileiro, depende unicamente dos acordos firmados entre as empresas privadas e suas compradoras. O Brasil não tem legislação para interferir nisso.
  • Parece com o preço do barril de petróleo, né? É uma questão de proporção: as indústrias compradoras usam pequenas quantidades do nióbio para cada tonelada de outros metais. Diferente do petróleo..
  • Além disso, não adianta produzir muito se o mercado não comprar. Se a intenção é explorar (sustentavelmente, no mínimo!) o nióbio, devemos garantir um mercado consumidor crescente.
  • E se simplesmente as empresas aumentassem o preço, já que têm o controle quase que total do nióbio? Pois é.. o “quase total” já dá um spoiler: a exploração nos demais locais seria incentivada pelos compradores, além de ser incentivada a exploração dos outros minérios que têm propriedades equivalentes.

Então dá pra dizer que COM CERTEZA vamos lucrar trilhões considerando que não temos estatais atuando? Não. Primeiro quem lucra são as empresas privadas. A gente, com os royalties, ganha uns trocados. E se um dia isso for possível (investir de forma sustentável!), não será a curtíssimo prazo a ponto de nos tirar da crise econômica.

Agora vamos falar sobre a matéria da Record: nióbio e tratamento do câncer.

A reportagem foi publicada no dia 8 de agosto deste ano (2019). Vou colocando as falas e comentando.

Apresentador: (…) novos usos para o nióbio, um metal caro e versátil.

Caro? É justamente o contrário. Vender a um preço super baixo é justamente uma das críticas que a população faz.

Apresentador: (…) em Minas tem a maior produção mundial, mais de 98%.

98% é a quantidade de reserva natural que se encontra no Brasil, abestado. A nossa produção atual é de mais ou menos 80%. São erros bestas, mas considerando que o apresentador é um influenciador e que as pessoas podem checar as informações, ele se passa de mau influenciador ou ignorante.

Repórter: (…) estudos recentes desenvolvidos por professores pesquisadores da UFMG mostraram que o nióbio é a base de composições farmacêuticas para o tratamento de alguns tipo de câncer e de um gel clareador dental. As pesquisas inéditas foram desenvolvidas pelas faculdade de química, farmácia e de odontologia. Os cientistas conseguiram fazer um gel que funciona como uma pele sintética e pode ajudar pacientes com câncer de pele e ainda em casos menos graves, como queimaduras e machucados.

Promissor!!

Pesquisador 1: Na hora que eu fosse colocar sobre a ferida, sobre a pele, ela (a gosminha que contém um pouquinho de nióbio) assumiria a forma da pele e liberaria o fármaco aos poucos (o fármaco não é o nióbio), então ele (o nióbio) poderia tratar também superficialmente, deixaria bem versátil o fármaco.

Embora a fala dele seja confusa, entendi que o pó do nióbio, por ser um sólido “mole”, auxilia nesse processo da liberação do fármaco de forma tópica.

Entrevistadora: Já os testes com clareador dental comprovaram que ele é mais eficiente que os produtos que já existem no mercado.

Perigosíssimo usar o verbo comprovar em qualquer estudo científico. Cientistas não comprovam nada. Nós evidenciamos.

Pesquisadora: Esse gel tem a vantagem de que ele não tem peróxido de hidrogênio (água oxigenada) então ele não dá aqueles efeitos de sensibilidade que são muito comuns nos clareadores comerciais.

Foram feitos testes a longo prazo? Não achei no Google Acadêmico os artigos mencionados. Eles inexistem no maior banco de artigos da atualidade.

Repórter: (…) A pesquisa já foi patenteada e já foram feitos testes em animais. Agora os cientistas precisam de investidores para que os testes comecem a ser feitos em humanos e os produtos sejam disponibilizados para a população. 

É uma tremenda manipulação de informação falar desse jeito. Parece assim: só falta fazer essas coisas, mas já já os produtos serão disponibilizados para a população. Como se os testes em humanos já estivessem garantidos.

A frase certa é:Agora os cientistas precisam de investidores para que os testes comecem a ser feitos em humanos e, caso os resultados atinjam os níveis mínimos de segurança e os resultados esperados, os produtos serão disponibilizados para a população. Todo esse processo pode demorar mais de 2 anos”. Sim, se a reportagem é sobre ciência, que seja feita da forma certa e instrua corretamente a população.

Pesquisador 2: Usar uma matéria prima nacional que hoje é vendida mais de 80% dela para o exterior e ela vai num baixo valor e a gente agregar valor e desenvolver tecnologia nacional e usar essa tecnologia em benefício da sociedade e em benefício do país é uma grande resposta que a sociedade vai receber das atividades desenvolvidas nas universidades públicas do Brasil.

Ou seja, os pesquisadores falaram sobre o possível e talvez potencial do nióbio para auxiliar no tratamento de doenças de pele – nem sequer mencionaram a palavra câncer. Por outro lado eles falaram explicitamente sobre o clareador dental, o qual foi testado em animais e patenteado (embora eu não tenha encontrado o artigo e nem a patente!).

Já a reportagem focou nos resultados menos consistentes e com isso provavelmente aumentou o seu impacto. Foi falaciosa e irresponsável.

Pode até ser que os pesquisadores, de fato, consigam desenvolver um produto à base de nióbio para tratar o câncer. Torço pela ciência, sempre, desde que praticada com ética. Mas também torço por uma mídia responsável.

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